Wednesday, February 20, 2013

Os Amantes na Torre

Era uma vez uma criatura chamada Amy. Embora ela escondesse seu rosto, não havia estrela no céu que equiparasse à sua beleza. Não havia flor na Terra que igualasse à sua delicadeza. Embora em sua fachada se mostrasse agressiva e forte como um dinossauro, apenas escondia a suavidade e doçura tal qual uma gota de mel, ou pelo menos tentava esconder.
Era uma vez uma criatura chamada Andrus. Embora seu rosto não mostrasse nada além de um sorriso gentil, ele estava morto por dentro. Embora fizesse o máximo para não magoar ninguém, não conseguia ter ninguém ao seu lado para aplacar sua solidão. Ao tentar se encaixar, ele falhava em ser alguém que ninguém odiasse.
Andrus caçava demônios. Amy andava por sonhos.
Amy ocultava seu rosto. Andrus era cego.
Era uma vez uma Torre. Uma torre só alcançada por sonhos. Um lugar em que a distância não existia, e ainda assim tal lugar era inalcançável.
Caminhando pela estrada pavimentada por sua cegueira, Andrus encontrara a Torre. Seguindo o som inaudível de um choro abafado, guiado exclusivamente pelo vazio em seu peito, Andrus e Amy se encontraram naquela Torre.
Apesar de seus esforços, Amy não conseguia esconder sua verdadeira face para aquele cego. Apesar de seus esforços, Andrus não conseguia ser rude e afastar aquela pessoa, como tinha feito com todas as outras em sua vida.
Ambos sabiam, no momento em que entraram naquela Torre, que o preço cobrado pelo amor que nascia naquele local os tornaria Sol e Lua. Seriam para sempre peças gêmeas que nunca se encontrariam no tabuleiro da vida.
Ela evitou se declarar, temendo o destino que sofreriam. Ele evitou se apaixonar, era notoriamente o mais fraco dos dois.
Se encontrando frequentemente naquela Torre, não havia como aquele sentimento não surgir. E o sentimento puro era o chamariz perfeito para criaturas invejosas e ansiosas por poder.
Um trapaceiro, um bufão, um palhaço, um tolo. Sorrindo como se soubesse os segredos mais profundos de ambos. Havia se instalado na Torre para perturbá-los e buscar neles uma fonte de poder. Roubaria os sentimentos, roubaria os olhos cegos de Andrus, e o coração puro de Amy, se não fosse impedido.
Ela havia caído em sua armadilha. Rosas se tornavam espinhos, e ela se machucava. Sem olhos para enxergar, Andrus não era enganado por ilusões ou por trapaças, e pela primeira vez sentia-se forte para defender algo. De forma astuta, Andrus forjou um nó com os espinhos e o tolo enforcado nas próprias mentiras já não sorria mais.
Uma raposa, uma traiçoeira, uma esfinge, uma sacerdotisa da morte. Seguira os passos do bufão, e novamente o casal era atormentado. Andrus caíra em sono profundo, numa armadilha planejada para tirá-lo do caminho da esfinge. Ela cometeu o erro de considerá-lo o mais forte dentre os dois, baseado no encontro com o bufão.
Amy salvou Andrus, resolvendo um enigma que nem a própria raposa sabia a resposta, mostrando que o caçador não precisava lutar sozinho.
Ela declarou seus sentimentos e foi afastada. Ele sofria com as limitações de sua cegueira. Não conseguia lhe acompanhar, por mais que tentasse.
Um dia, Andrus voltou a enxergar, e não conseguia mais ver a Torre. O preço alto que temia agora estava sendo cobrado. Eram Sol e Lua, divididos para sempre pela Torre.
Por mais que corresse, por mais que lutasse, ele não conseguia alcançar Amy. Mesmo enxergando, ele ainda era muito mais fraco do que ela.
Com uma lâmina, Andrus rasgou seus olhos novamente. Todo o sofrimento o tornou mais forte, e novamente cego ele podia ouvir aquele sussurro engolfado pelo medo: Ela chamava por seu nome.
Amy o encontrou na Torre, enquanto caminhava por sonhos. Seguira uma trilha de sangue derramado por uma lâmina que havia cortado um par de olhos. Sabia que ao sangue se misturavam as lágrimas de seu amado.
Os amantes que se encontraram na torre que não existia, trocaram juras de amor, enquanto tocavam corpos incorpóreos que nunca puderam ser vistos.
Eles abandonaram a Torre, foram obrigados pelo outro a fazê-lo. Amar aquele que não podia ser encontrado era um fardo demasiado pesado e doloroso para ambos.
Eles abandonaram a Torre, não eram mais Sol e Lua. Deixariam esse cargo para outros dois amantes, ou talvez para duas pessoas que não se incomodariam com a distância eterna. Apenas sabiam que se destruiriam se continuassem daquela forma, e isso não poderiam suportar.
Sabiam que ao abandonar o outro quebrariam a maldição da Torre, mas que também dependeriam do acaso para que se encontrassem de novo.
Amy ainda suspira o nome do cego, feliz, pois foi unicamente o acaso que fez com que Sol e Lua se encontrassem uma vez.
Andrus nunca enxergou tanto em sua vida, ele ainda deixa um rastro de sangue e lágrimas, um capricho doloroso, aguardando o próximo eclipse.
Andrus agora estava vivo, com sentimentos tecidos e talhados por um rosto que nunca havia visto, mas que não lhe era de forma alguma desconhecido.
Amy não se escondia mais, o mundo seria seu se ela assim quisesse, e, mesmo consciente de sua situação, permanecia a criatura ousada e vivaz que havia conquistado sua peça gêmea, ainda era a criatura gentil e doce que andava por sonhos.
Por mais doloroso que fosse, ambos continuam caminhando. Por mais que seus corações solitários ardam com o desespero da separação, eles sabem que de nada adiantará se eles se renderem a essa altura. Tudo que lhes resta, é caminhar na direção do eclipse, sabendo que enquanto o sentimento persistir, então o desespero nunca irá vencer a esperança.



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