Os Amantes na Torre
Era
uma vez uma criatura chamada Amy. Embora ela escondesse seu rosto, não
havia estrela no céu que equiparasse à sua beleza. Não havia flor na
Terra que igualasse à sua delicadeza. Embora em sua fachada se mostrasse
agressiva e forte como um dinossauro, apenas escondia a suavidade e
doçura tal qual uma gota de mel, ou pelo menos tentava esconder.
Era
uma vez uma criatura chamada Andrus. Embora seu rosto não mostrasse
nada além de um sorriso gentil, ele estava morto por dentro. Embora
fizesse o máximo para não magoar ninguém, não conseguia ter ninguém ao
seu lado para aplacar sua solidão. Ao tentar se encaixar, ele falhava em
ser alguém que ninguém odiasse.
Andrus caçava demônios. Amy andava por sonhos.
Amy ocultava seu rosto. Andrus era cego.
Era
uma vez uma Torre. Uma torre só alcançada por sonhos. Um lugar em que a
distância não existia, e ainda assim tal lugar era inalcançável.
Caminhando
pela estrada pavimentada por sua cegueira, Andrus encontrara a Torre.
Seguindo o som inaudível de um choro abafado, guiado exclusivamente pelo
vazio em seu peito, Andrus e Amy se encontraram naquela Torre.
Apesar
de seus esforços, Amy não conseguia esconder sua verdadeira face para
aquele cego. Apesar de seus esforços, Andrus não conseguia ser rude e
afastar aquela pessoa, como tinha feito com todas as outras em sua vida.
Ambos
sabiam, no momento em que entraram naquela Torre, que o preço cobrado
pelo amor que nascia naquele local os tornaria Sol e Lua. Seriam para
sempre peças gêmeas que nunca se encontrariam no tabuleiro da vida.
Ela evitou se declarar, temendo o destino que sofreriam. Ele evitou se apaixonar, era notoriamente o mais fraco dos dois.
Se
encontrando frequentemente naquela Torre, não havia como aquele
sentimento não surgir. E o sentimento puro era o chamariz perfeito para
criaturas invejosas e ansiosas por poder.
Um
trapaceiro, um bufão, um palhaço, um tolo. Sorrindo como se soubesse os
segredos mais profundos de ambos. Havia se instalado na Torre para
perturbá-los e buscar neles uma fonte de poder. Roubaria os sentimentos,
roubaria os olhos cegos de Andrus, e o coração puro de Amy, se não
fosse impedido.
Ela
havia caído em sua armadilha. Rosas se tornavam espinhos, e ela se
machucava. Sem olhos para enxergar, Andrus não era enganado por ilusões
ou por trapaças, e pela primeira vez sentia-se forte para defender algo.
De forma astuta, Andrus forjou um nó com os espinhos e o tolo enforcado
nas próprias mentiras já não sorria mais.
Uma
raposa, uma traiçoeira, uma esfinge, uma sacerdotisa da morte. Seguira
os passos do bufão, e novamente o casal era atormentado. Andrus caíra em
sono profundo, numa armadilha planejada para tirá-lo do caminho da
esfinge. Ela cometeu o erro de considerá-lo o mais forte dentre os dois,
baseado no encontro com o bufão.
Amy
salvou Andrus, resolvendo um enigma que nem a própria raposa sabia a
resposta, mostrando que o caçador não precisava lutar sozinho.
Ela
declarou seus sentimentos e foi afastada. Ele sofria com as limitações
de sua cegueira. Não conseguia lhe acompanhar, por mais que tentasse.
Um
dia, Andrus voltou a enxergar, e não conseguia mais ver a Torre. O
preço alto que temia agora estava sendo cobrado. Eram Sol e Lua,
divididos para sempre pela Torre.
Por
mais que corresse, por mais que lutasse, ele não conseguia alcançar
Amy. Mesmo enxergando, ele ainda era muito mais fraco do que ela.
Com
uma lâmina, Andrus rasgou seus olhos novamente. Todo o sofrimento o
tornou mais forte, e novamente cego ele podia ouvir aquele sussurro
engolfado pelo medo: Ela chamava por seu nome.
Amy
o encontrou na Torre, enquanto caminhava por sonhos. Seguira uma trilha
de sangue derramado por uma lâmina que havia cortado um par de olhos.
Sabia que ao sangue se misturavam as lágrimas de seu amado.
Os
amantes que se encontraram na torre que não existia, trocaram juras de
amor, enquanto tocavam corpos incorpóreos que nunca puderam ser vistos.
Eles
abandonaram a Torre, foram obrigados pelo outro a fazê-lo. Amar aquele
que não podia ser encontrado era um fardo demasiado pesado e doloroso
para ambos.
Eles
abandonaram a Torre, não eram mais Sol e Lua. Deixariam esse cargo para
outros dois amantes, ou talvez para duas pessoas que não se
incomodariam com a distância eterna. Apenas sabiam que se destruiriam se
continuassem daquela forma, e isso não poderiam suportar.
Sabiam
que ao abandonar o outro quebrariam a maldição da Torre, mas que também
dependeriam do acaso para que se encontrassem de novo.
Amy ainda suspira o nome do cego, feliz, pois foi unicamente o acaso que fez com que Sol e Lua se encontrassem uma vez.
Andrus
nunca enxergou tanto em sua vida, ele ainda deixa um rastro de sangue e
lágrimas, um capricho doloroso, aguardando o próximo eclipse.
Andrus
agora estava vivo, com sentimentos tecidos e talhados por um rosto que
nunca havia visto, mas que não lhe era de forma alguma desconhecido.
Amy
não se escondia mais, o mundo seria seu se ela assim quisesse, e, mesmo
consciente de sua situação, permanecia a criatura ousada e vivaz que
havia conquistado sua peça gêmea, ainda era a criatura gentil e doce que
andava por sonhos.
Por
mais doloroso que fosse, ambos continuam caminhando. Por mais que seus
corações solitários ardam com o desespero da separação, eles sabem que
de nada adiantará se eles se renderem a essa altura. Tudo que lhes
resta, é caminhar na direção do eclipse, sabendo que enquanto o
sentimento persistir, então o desespero nunca irá vencer a esperança.
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